sábado, 16 de junho de 2007

Inspiração

Não ando propriamente inspirada para isto... Aliás, não ando inspirada para quase nada, nem para cozinhar, sequer... Até a porcaria da caneta me rebentou nos dedos. E não tenho mais nenhuma com que goste de escrever. Tenho os dedos todos pretos, a tinta não sai nem com álcool, lixívia, acetona e outros químicos afins que já experimentei. Apetece-me dizer às clientes: "Não gosta? A-Z-A-R-I-T-O-S!!" ou quando não há o tamanho delas dizer: "É bem feita! Quem mandou vir só agora?". Era giro...
Ando aqui a "empurrar" uma amigdalite com benurons, dói-me o corpo... Pode ser que resulte. Isto porque uma ida ao Centro de Saúde aqui (e em qualquer lado) é potencialmente mais dolorosa que a amigdalite em si...Vou tirar férias de 2 a 11 de Agosto. Sim! Eu e os meus 400eur de ordenado vamos tirar umas férias de arromba. Provavelmente aqui em casa mesmo, sozinhos, a torrar no sofá onde nem consigo esticar as pernas, a aturar a depressão da brasileira (oh Deus! Dai-me forças!!) alternando com umas visitas ao colombo. Se me apetecer comer fora (vulgo: levar o termo para algum lugar público e comer ao ar livre), talvez venha até aqui ao Páteo e me ponha em altos berros ao telefone a dizer que comprei uns sapatos nos chineses e uns tops lindíssimo na feira de Carcavelos. Só numa de gerar o caos, uma vez que fazer isso aqui seria como vender bikínis brasileiros no Afeganistão, ou chacinar vacas na Índia. Excelente, não é?




segunda-feira, 11 de junho de 2007

Amor Moderno

Às seis da manhã a rua foi ocupada pela polícia. Dois carros bloquearam os passeios, ali a dois passos do Tejo. Oito agentes saem a correr e sobem as escadas do prédio até lá acima. Está uma luz clara, azulada, quase bonita. Ela tinha tentado degolá-lo. Ele defendeu-se atacando. A vizinhança tinha outra opinião, havia sexo a mais, chegavam tarde demais, de madrugada, vindos das Janelas Verdes, embriagados, cheios de nuvens na cabeça, se me entendem. Talvez fosse ele a empunhar a faca. Desceram com os agentes, havia sangue. Ela era bonita, ele também. Vinte anos. Pouco mais, se for. Ainda se ouviu uma pergunta. Era ela, no meio da rua, antes de entrar para o carro da polícia, algemada: "Levas o iPod?".


Francisco Viegas

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Corria a Noite Serena



(do Tio Verdades do Ervedal )

I
A primeira vez que a vi
Fitar-me com intenção,
Experimentei tal emoção...
Forte volúpia senti!...
Pensando me decidi
P'los amores desta pequena,
Tinha odores de açucena!
Pedi-lhe uma entrevista
A palpitar na conquista,
Corria a noite serena !

II

Lânguido pelo calor...
Não sei bem o que lhe disse...
Veio dizer-me com meiguice
Ternos segredos de amor !
Pressenti-lhe nesse ardor
A vontade de noivar !
Decidi então beijar
Aquela face mimosa!
À luz da noite amorosa
Com seu pálido luar!

III
Parando em pleno jardim
Meio ébrios, em devaneios.
Senti-lhe o calor dos seios
Inclinada para mim.
Tombámos o alecrim
Junto aos mais tenros verdores.
Amarrotámos as flores,
A que ela se dedicava !
Enquanto ela suspirava,
Falava a Brisa d ' Amores !

IV
Afaguei-a com delírio!
Sorvendo as suas carícias,
Colhendo a flor do martírio!
Beijei aquele alvo lírio!
Senti-lhe os seios arfar!
Quis então raciocinar,
Num momento reflectido!
Ela compôs o vestido
Ainda trémula a doidejar!

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Samarra



(Sensação de posse. Sensação só nossa. Não "sintas" a ninguém.)


Ainda te lembras? Ainda te lembras ao que cheirava o ar naquelas manhãs de Inverno em que o verde à nossa frente parecia a cabeça de um senhor velhinho, com os cabelos grisalhos alinhados e molhados, quando se penteia de manhã? Como o frio nos violava pele, músculos e ossos... A casa surgia com a primeira luz, vestida amarelo e branco, sempre perfumada com os últimos aromas da lareira do dia anterior; passava o dia a escolher o perfume do dia seguinte. Só nos deixava entrar na cozinha quando o calor dissesse que estava pronta. Dava gosto descer os treze degraus vermelhos e gelados a correr, para nos sentarmos juntas à lareira. Chegavas sempre primeiro. Sentias sempre tudo primeiro que eu e estavas sempre calma. Tinha inveja. Tenho saudades.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Para o Mano





Tu sentes e não falas, mas ris
Ris do que falas e ninguém sabe que sentes.
Dizes que o que sentes só te sai pela mão,
Sinto assim como tu
Ou então já não sei sentir.
Porque sentir assim não...
Esse sentir de dizer e ouvir
quando nos pedem, abraçar, tocar e sorrir
Nem sequer é a voz do coração.
(Coração na mão, correndo no papel
Palavras nos lábios, desabafo de tinta,
Não se ouve melhor que o silêncio colorido
Da cascata que jorra do verde garrido
Que segreda baixinho tudo o que sinta...)
Já só sinto quando quero,
Quando sinto não o digo, páro e espero
que a sensação de sentir logo passe.
Porque no calor eu não vou rir,
Nem tão pouco vou falar;
Sabes,
Acho que o que sinto só sai pelo meu olhar.







segunda-feira, 16 de abril de 2007

"A Viagem"


















(Pouca cama, pouco prato e muita sola de sapato. Pés-de-cabra. Eu sei que sim.)

Como eu queria que corresses descalça assim como eu
Campo fora sem vergonha nem coração,
Sentindo na pele macia entre-dedos a liberdade do não-calçar.
Depois da água, como as flores,
Fugiríamos ao tempo as duas,
Entre espigas desgrenhadas enlaçaríamos nossas mãos nuas,

Estendidas nos cabelos loiros do verbo amar.

Iogurtes

Tudo começa numa simples ida a esse grande supermercado, o rei das marcas estrangeiras, que nos safa a todos naqueles dias menos abastados que antecedem o final do mês, ou nos alivia o mês inteiro, dependendo das bolsas...
Iogurtes do Lidl. Por mais frutas de aspecto pueril que tenham desenhadas no rótulo em línguas estranhas, a especificar o sabor do iogurte (normalmente uma daquelas frutas que adivinha problemas quando misturada com leite, como a laranja ou a uva), sabemos sempre que nunca vai saber a isso, mas sim a
outra fruta qualquer.E se ainda possuir qualquer outra propriedade
organoléptica semelhante ao verdadeiro iogurte é mera coincidência. Se for
de pedaços, faz-nos empurrar a língua contra o céu da boca enquanto nos
perguntamos, de sobrolho franzido, se não nos teremos enganado e trazido os
de aromas, uma vez que os pedaços não existem.Por sua vez os de aromas, por
motivos a mim alheios e que faço questão que assim o permaneçam, trazem
sempre pedaços, deixando uma porta sombriamente aberta para que imaginemos o
que serão, enquanto pedimos aos santinhos para termos mesmo trazido os de
pedaços. No entanto, sabendo a priori deste segredo, sempre que passamos em
frente ao frigorífico (que me lembra sempre uma imagem obtida dos livros de Harry Potter) repleto de todos aqueles produtos com marcas do "Além", não resistimos, e lá levamos em braços (para poupar dinheiro nos sacos) os místicos iogurtes.
Começo a desconfiar que lhes metam qualquer coisa. Trago sempre um para o lanche que
só depois de umas valentes "palmadas de fome" consigo comer até meio, no
máximo. No entanto já consigo abandonar o do pequeno- almoço à mercê do clima quente da cozinha, na esperança que azede. O que acontece com estes iogurtes malvados é curioso, mas também se verifica com as pessoas... Parece que andamos numa de "low budget" para tudo, até para com as pessoas que escolhemos para ter ao nosso lado.
O rótulo é simples, fácil de ler. Por norma, diferente, coisa que o povinho
gosta. Cores vivas e a embalagem, por metade do preço (já nem precisava
dizer mais nada) traz o dobro da quantidade! Até dá para levarmos mais
que o normal, resolvendo assim o orçamento de lacticínios mensal com aquela
sensação óptima de "fogo, sou mesmo espertalhão!". O giro é em casa...
Logo à primeira colherada consciente despertam-se sensações traduzidas em "Foda-se! Onde é que eu tinha a cabeça
quando trouxe isto para casa?"sempre plenas de arrependimento.À medida que a colher retorna cheia à boca, o nosso paladar começa a soltar queixumes como "Espero que acabe depressa...Porra, se comer outra coisa até digo que é mentira!", "falta muito para chegar ao fim????é que sabes mesmo mal". Finalmente, quase com o fundo do copinho à vista, já não se suporta a permuta entre pedaços
aromas dos supostos copinhos que lhes competiam e já se diz em voz alta (no máximo com o
gato presente) "Vou mas é comer outra coisa qualquer; só hoje não faz mal...". Depois do copo maléfico adormecer saciado em pleno caixote do lixo não se evita a frase : "Não era nada disto que eu queria!!" Os mais ressabiados com a sua
própria pessoa ao aperceberem-se de tal compra ousam mesmo pensar roubar o Iogurte do colega lá no escritório, ou da melhor amiga, chegando nos piores casos, a vias de facto. São sempre de uma boa marca à qual os donos se fidelizaram há imenso tempo, portanto, garantidamente boa. Só um dia. Nem vão dar por falta. Um dia por semana. Uma semana por mês, quem sabe?
Como não há mal que nunca acabe nem bem que sempre dure, os iogurtes estão quase no fim, tal como um grupo restrito de coisas que tanto nos acalmam a "fúria das papilas gostativas" (vulgo: carências) sujeitas a uma provação diária. Não se pode deixar acabar, porque faz bem à saúde, tem cálcio, alimenta, até é barato, os putos comem ao lanche sem chatice, tem que se comprar mais. Mas "desta vez já não compro os
do Lidl! Nunca mais! Cada vez que me lembro...". Infelizmente, como
há coisas que tanto faz serem do Lidl como do Pingo Doce (tipo os pápeis que limpam as entradas e saídas do Iogurte
protagonista) lá se vai num "pulinho" ao Lidl. E zás! Como se de um número
do Professor Alexandrino se tratasse, lá vamos nós, não firmes e hirtos como
uma barra de ferro mas quase tão inanimados como uma, em direcção ao
frigorífico desorganizado onde estão os "danados", normalmente a monte com o "queso fundido" asseguradamente português, o "jambón" envolto numa gelatina útil para substituir o gel de cabelo, o "enchido de suínos", a "margarina para barrar" (tento sempre convencer-me que ninguém se atreve a barrar aquilo no pão), entre
outras sósias de alimentos por norma banais. No final da voltinha, quando damos por nós, a coisa que mais peso faz nos braços já não são os 32 rolos de papel higiénico em promoção, mas sim um
lote de iogurtes redondinhos, resplandecentes de malvadez. 8 de uva, 8 de melancia, e um novo sabor, de melão; Descargo de consciência, quem sabe.